Sistemas Alimentares e Clima: uma contribuição do LUPPA para a COP 28
A Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas reúne, anualmente, todos os países-membros da ONU com o objetivo de discutir estratégias e estabelecer acordos de contenção do aquecimento global. Entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro deste ano, será realizada a 28º edição desta Conferência, a COP 28, que acontecerá na cidade de Dubai, nos Emirados Árabes.
O Brasil será um dos países com participação mais esperada e destacada, tanto por causa da retomada política dos compromissos ambientais por parte do governo brasileiro, como também por causa da importância mundial que representam as alternativas forjadas pelo Estado e por setores da sociedade civil com foco na mitigação, adaptação e contenção da crise climática em seus vários biomas e territórios, principalmente a Amazônia. A comitiva brasileira na COP 28 será formada por representantes estatais e da sociedade civil, e o Laboratório Urbano de Políticas Públicas Alimentares – LUPPA – fará parte desta comitiva através da participação presencial do Instituto Comida do Amanhã, assim como de representantes do ICLEI América do Sul.
Sabendo da importância que o tema dos sistemas alimentares terá na COP, o LUPPA preparou-se para levar a sua contribuição às discussões em torno dos sistemas alimentares, baseando-se na experiência acumulada nas três edições do laboratório e no reconhecimento do seu trabalho apontado no relatório State of Food Insecurity in the World (SOFI, na sigla em inglês) de 2023, produzido pelas Nações Unidas para acompanhar a evolução do ODS 2. Este relatório reconheceu o laboratório como sendo uma experiência exitosa para a busca de soluções a partir dos sistemas alimentares urbanos.
Os sistemas alimentares, desde a produção ao consumo de alimentos, ocupam um lugar central nas discussões da COP, principalmente considerando-se que estes sistemas são responsáveis por um terço das emissões globais de gases de efeito-estufa (GEE’s), segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC,na sigla em inglês). Mesmo sendo parte dos desafios a serem superados na crise climática, os sistemas alimentares também são negativamente afetados, o que representa uma ameaça para a segurança alimentar mundial.
No Brasil, este cenário é ainda mais desafiador, pois a produção de alimentos está diretamente relacionada ao desmatamento, e é responsável por cerca de 74% das emissões de gases de efeito-estufa no país. De acordo com um estudo divulgado pelo Observatório do Clima no último mês de outubro, 78% das emissões brasileiras derivadas da produção de alimentos são causadas pela cadeia de produção de carne bovina.
Nenhuma ação de mitigação, adaptação ou redução da crise climática poderá ser implementada, a tempo de cumprir com as metas do Acordo de Paris, sem levar em conta o importante papel dos sistemas alimentares. Eles oferecem oportunidades de mitigação na produção agrícola e pecuária, com agricultura de baixo carbono, dietas saudáveis e sustentáveis, uso equilibrado da terra e de outros bens comuns da natureza para as necessidades humanas, redução da perda e do desperdício de alimentos, entre outros. A maior facilidade de implementação destas iniciativas a curto e médio prazo, aliada a um custo menos oneroso e aos benefícios imediatos na saúde humana e no meio ambiente, são algumas das muitas vantagens de se investir e priorizar estas discussões na COP 28 e nos acordos resultantes dela.
As demandas comuns entre cidades e comunidade internacional ganham importância na programação da COP deste ano, que traz uma novidade. Enquanto os chefes de estados estiverem reunidos nos dias 01 e 02 de dezembro, haverá também uma cúpula de mais de duas mil cidades representadas por seus prefeitos e prefeitas. O dia 10 de dezembro está reservado para o tema da alimentação, agricultura e água.
No último dia 1º de novembro, foi realizada uma oficina com o objetivo de construir um posicionamento do LUPPA para a COP 28. Os representantes dos municípios participantes do laboratório escolheram e debateram três temas que consideram prioritários para tratar dos desafios e demandas entre as cidades e a comunidade internacional, no que diz respeito a sistemas alimentares. O primeiro deles é sobre “Fomento à agricultura urbana e periurbana, e combate à perda de alimentos na NDC brasileira”. O segundo tema diz respeito à “Adaptação Climática, Segurança Alimentar e Financiamento”. E o terceiro tema trata de “Agricultura Sustentável aliada a Soberania Alimentar e Sociobiodiversidade”.
As recomendações a seguir respondem às Chamadas para Ação e Campanhas que visam acelerar a transformação dos Sistemas Alimentares, com justiça social e respeito às singularidades do Sul Global:
I) Fomento à agricultura urbana e periurbana, e combate à perda de alimentos como um compromisso do Brasil:
É preciso que a comunidade internacional reconheça que a produção urbana e periurbana de alimentos no formato ecológico é essencial para a configuração de sistemas alimentares sustentáveis, levando-se em conta os benefícios da promoção de circuitos curtos de acesso ao alimento, a produção de alimentos sustentáveis e saudáveis, a geração de renda e a diminuição da pegada de carbono dessa produção alimentícia. É preciso que a comunidade internacional e estados-membro assegurem aos municípios e governos locais o suporte para desenvolver equipamentos públicos de agricultura urbana que garantam a produção de alimentos através de implantação de hortas urbanas e destinação de espaços públicos (jardins, canteiros, terrenos), assegurem a oferta de assistência técnica, atividades de capacitação, fornecimento de ferramentas, fabricação e doação de insumos (compostagem, mudas de plantas, sementes) aos produtores locais de alimentos, assim como equipamentos públicos para o reaproveitamento e diminuição do desperdício de alimentos (bancos de alimentos, restaurantes). Por fim, é preciso que o Governo Brasileiro reconheça a referência à agroecologia urbana e periurbana como estratégia de implementação da NDC brasileira.
II) Adaptação Climática, Segurança Alimentar e Financiamento:
Para garantir segurança alimentar num cenário de desafios de adaptação às mudanças climáticas em curso, toda e qualquer solução precisa garantir incentivos adequados para que as produtoras e produtores de alimentos, especialmente os de pequeno porte e as comunidades tradicionais, não desistam de produzir alimentos. É preciso agir para evitar perdas de alimentos e garantir o abastecimento alimentar da população. Sendo assim, é necessário que a comunidade internacional invista em seis estratégias: 1) garantia, às produtoras e aos produtores familiares, de acesso à água e à terra; 2) educação agroecológica, não apenas quanto à produção de alimentos, mas também quanto ao consumo (cardápios de programas de alimentação e incentivos à comercialização de alimentos agroecológicos, locais, nativos, adaptados), ou seja, conscientização da educação alimentar a partir da necessidade de adaptação climática; 3) remuneração justa para agricultoras e agricultores e incentivos remuneratórios que aliviem o risco da produção de alimentos em meio a eventos climáticos adversos, em especial instrumentos garantidores de safra (como o Garantia Safra do governo federal) em caso de perdas da produção; 4) investimento em beneficiamento mínimo de produtos perecíveis (desidratados, polpas, farinhas, molhos, etc) – estratégias que prolonguem a vida útil do alimento e reduzam o risco de perda; 5) investimento em logística climatizada para fazer frente ao risco de perda com as temperaturas crescentes; 6) co-financiamento e articulação multinível de governos: deve ser criado um fundo de segurança alimentar para atuação em cenários de eventos climáticos, com gestão municipal e co-financiamento de todos os níveis de governo, inclusive apoio internacional.
III) Agricultura Sustentável aliada a Soberania Alimentar e Sociobiodiversidade:
É preciso que o Brasil e demais estados-membros invistam na transição agroecológica como alternativa ao atual modelo predominante de produção convencional de alimentos, já que a agricultura sustentável prioriza a manutenção dos recursos naturais e de produtividade a longo prazo, com o mínimo de impactos negativos ao meio ambiente, trazendo retorno adequado aos produtores e alimentos sadios que permitem o bem-estar humano. Para isso, será necessário promover políticas de Estado voltadas a uma agricultura ambientalmente sustentável e camponesa, com financiamento das tecnologias sociais de produção alimentar, sem utilização de insumos de origem fóssil ou agrotóxicos, com tributação justa ao alimento in natura e taxação de agroquímicos, fomento e incentivos fiscais à agricultura familiar, objetivando a sucessão rural e transmissão destes conhecimentos para as novas gerações de produtores familiares. É possível aliar políticas de segurança alimentar e nutricional a políticas ambientais, incentivando a transição agroecológica e a agricultura familiar, com garantia de escoamento, compras públicas e espaços de comercialização dessa produção.
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Diante de um cenário tão grave e urgente de crise climática mundial, e ciente da responsabilidade que cabe ao governo e à sociedade civil para impedir seu agravamento, a principal mensagem levada à Conferência de Mudanças Climáticas é: “Brasil unido em sua diversidade, a caminho do futuro sustentável. Os sistemas alimentares devem ser parte das soluções globais para o clima e a humanidade, e as Agências e Organizações que promovem o financiamento e cooperação no contexto das mudanças climáticas têm um papel fundamental em reconhecer e incentivar essa convergência temática.”
Considerar os contextos subnacionais e locais, por meio de chamadas e editais que se atentem à lógica dos sistemas de políticas públicas e projetos locais é muito importante. Contamos com vocês para vencermos essa batalha!